quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Campanhas publicitárias da Benetton

Oliviero Toscani


Fotógrafo italiano, ele provocou polêmica e fortes reações por ter usado imagens chocantes nas campanhas publicitárias da Benetton.
Segue parte da entrevista realizada por Matinas Suzuki
Matinas Suzuki: Ele é responsável pelas polêmicas campanhas de publicidade da Benetton. Para entrevistar Toscani hoje aqui nós convidamos: o publicitário Francesc Petit, diretor sócio, ou melhor, o P da DPZ. O publicitário Mario Cohen, presidente e diretor de criação da Futura Propaganda. Manuela Carta, repórter da revista Carta Capital. Gioconda Bordon, apresentadora do programa Espaço Informal da Rádio Eldorado. Caio Túlio Costa, diretor da “Revista da Folha” do jornal Folha de S. Paulo. Marco Antônio de Rezende, diretor de redação da revista Vip Exame e João Wady Cury, repórter do jornal O Globo.
Matinas Suzuki: Você diz que a sua publicidade não foi feita para o museu, que suas fotos não foram feitas para o museu. O seu suporte preferido, a sua maneira preferida de mostrar o seu trabalho, são os cartazes? São os outdoors nas ruas?
Oliviero Toscani: Pessoalmente, prefiro manifestar-me na rua que é um meio mais primitivo e simples, e, talvez, menos custoso, porém, sempre muito eficaz. Mais que a televisão, que pessoalmente não uso.
Matinas Suzuki: Você também faz um tipo de trabalho que lida com questões raciais e sociais. Há alguma diferença, para você, em mostrar esse trabalho no primeiro mundo, ou nos países europeus e num país como o Brasil, onde a miséria já está nas ruas, por exemplo?
Oliviero Toscani: São temas verdadeiramente mundiais e devemos falar deles. Talvez o único modo de se entender alguma coisa no mundo. O modo como os países tratam esses temas comuns, mostra o nível crítico, moral e a qualidade que cada país conseguiu alcançar. Creio que nenhuma comunicação, como a publicidade, terá esse poder no futuro. Nenhuma outra comunicação é exposta ao olhar do mundo como a publicidade.
Matinas Suzuki: Mas você vê diferenças entre mostrar essas fotos num país como o Brasil, por exemplo? Onde as pessoas estão vendo isso todos os dias nas ruas. Situação da miséria, situação racial?
Oliviero Toscani: Sobretudo porque penso que o país é extremamente sensível e pretende estar mais à frente, como certos países europeus. Eles são menos tolerantes com esses problemas. É com o que deparo ao fazer a propaganda para a Benetton. Sucede que há imagens que são censuradas em certos países, e ganharam prêmios em outros. Por exemplo, a imagem da fronteira entre os soldados croatas e os iugoslavos mortos foi censurada em toda a Europa, mas ganhou o prêmio de melhor imagem do ano no Japão. Como você vê cada país está certo de ter razão. Cada cultura pensa que é justa, mas a realidade não é assim...
Marco Antônio de Rezende: Toscani, ninguém duvida da força da comunicação, do poder de fogo da publicidade. Mas você dá à publicidade poderes excepcionais. Você acredita realmente que a publicidade deva ter este papel de conscientizar as pessoas, de provocar mudanças na consciência das pessoas ao redor do mundo? Ou, honestamente, a publicidade destina-se, no fundo no fundo, a vender produtos?
Oliviero Toscani: Penso que o produto se vende. Existe como cultura. Não existe divisão entre consumo e consciência social. O consumo é uma das razões do grande problema que vem sendo criado no mundo. Talvez, o consumo tenha criado a guerra. Talvez a publicidade, criando e impondo o consumo, estimule a guerra. Tenho sempre me perguntado se esse não é o caso. Ao mesmo tempo, penso que qualquer meio de comunicação tem uma responsabilidade social, mesmo que se trate de cartões postais, e educa, de certo modo, a sociedade. Eu não sei se é uma educação ou uma tomada de consciência. O potencial da publicidade, da comunicação publicitária, talvez ainda precise ser descoberto.
Marco Antônio de Rezende: Você combate uma guerra quase pessoal contra uma certa forma de publicidade muito convencional, muito banal. Mas a escolha do seu estilo, dessa publicidade choque, que mostra os religiosos se beijando, ou o rapaz morrendo de Aids. A força de se repetir essa fórmula, isso não pode levar, por sua vez, a uma homologação dessa fórmula? Ela não pode por sua vez se tornar banal? Essa criatividade, entre aspas, a todo custo? Chocando as pessoas continuamente? Isso não pode por sua vez se tornar uma coisa comum? Homologada?
Oliviero Toscani: Penso que as notas musicais são sete e as cores são estas. Depende da criatividade de cada um fazer a música ou uma composição colorida. Minha proposta é modesta num mundo em que a publicidade é plana, eu vejo a publicidade num mundo redondo. Por isso, estou sendo inquirindo. O fato de ter sugerido esta proposta não quer dizer que todos devam fazer como eu. É possível sair dessa mesmice que é o mundo publicitário. Estranhamente a comunicação é muito plana e, ao mesmo tempo, tem uma grande responsabilidade social, sobretudo para os jovens, porque a linguagem da publicidade não faz outra coisa se não impor o consumo. Mas, creio que essa imposição do consumo não representa o futuro. Penso que deveríamos produzir e consumir, não, porém, nesses termos. Os produtos não levam ao sucesso. O consumo não leva ao sucesso, como se diz na publicidade. Coloco em discussão somente um sistema publicitário estranhamente transformado em regra, em decálogo religioso, onde a beleza deve ser apenas de certo modo, o sucesso deve ser de certo modo, o comportamento deve ser dar apenas consumindo certos produtos. Coloco em discussão esse modo de fazer publicidade, mas, estou aberto para aceitar outros.
Gioconda Bordon: Pois é, eu e meu vizinho estamos, aqui, quase numa telepatia, com as mesmas idéias, mas, continuando, a idéia de enfatizar de criar uma imagem para o produto. Normalmente a gente espera, eu acho que o consumidor espera, uma imagem positiva. E, ligando sempre o nome da Benetton com situações que causam repúdios – não por preconceito, mas por dor – não pode criar uma imagem muito negativa para esses produtos, ou então, acabar, por um momento, a dissociar completamente esse produto da imagem que ele tem. A ponto de não se saber mais o que é Benetton e o que são aquelas fotos.
Oliviero Toscani: Veja bem. Está se partindo desse decálogo da publicidade.Você crê nesta religião publicitária que a comunicação serve para impor certo produto. A comunicação serve para comunicar em primeiro lugar, e não para dizer como podemos consumir a vida, mas, como podemos criá-la e com que qualidade, devemos dizer quais são os problemas que circulam no mundo do consumo. Se se acreditar que a comunicação serve apenas para impor um produto, temos uma visão muito tradicional. Não penso que a comunicação seja apenas uma servidora do consumo.
Gioconda Bordon: Mas a comunicação publicitária não é?
Oliviero Toscani: De acordo. Porém, existe a comunicação religiosa, a política, que impõem a religião os dogmas: existe a comunicação ideológica que impõe a ideologia. Também, com a publicidade não há nenhuma distinção. A comunicação produz imagens que desenvolvem uma mediatização incrível, como nenhuma outra no mundo. Este jornalista, por exemplo, ele escreve em um importante jornal, mas é conhecido somente no Brasil. Com a publicidade, não. Com uma mesma imagem, ela pode ser conhecida no mundo inteiro. Este é um potencial incrível, que a comunicação publicitária tem e que não é utilizado. Se se considera a comunicação publicitária somente como imposição de produtos, tem-se uma visão muito limitada. Assim como dizer que o cinema no início do século, quando foi inventado, há cem anos, só servia para no sábado à noite, ao piano, transmitir 30 ou 50 minutos de alegria. O cinema demonstrou que pode ser um meio de grande comunicação e cultura. Eu, pessoalmente, aprendi mais com o cinema do que com a escola. Se você falar com um jovem, ele conhecerá todos os slogans que a publicidade vende. Eles vivem, consomem e se reportam a esses slogans.
Caio Túlio Costa: Toscani, como você disse a tua publicidade é feita e vista no mundo inteiro. Você é um fotógrafo, e ao mesmo tempo, malgrado a tudo isso, é um publicitário também e com grande sucesso, porque quer se discuta as diferentes idéias que se tenha a respeito da publicidade que você faz, se é sensacionalista, se explora a violência, etc, etc. ela é vista e é polêmica no mundo inteiro, certo? Você disse uma vez que não tem nenhum respeito pelos publicitários. Que eles são verdadeiramente burros. Eu queria, então, te perguntar: você é o único que é verdadeiramente inteligente?
Oliviero Toscani: Não penso que os publicitários sejam burros. Mas aceitam o jogo da estupidez, este jogo hipócrita que é a publicidade. Os publicitários não são burros, mas jogam um jogo estúpido. Contudo – não para me desculpar, para justificar o que faço – na realidade, não sou publicitário. Sou um fotógrafo que começou a fazer fotografias de reportagens, a utilizar a mídia. Fascinou-me o mundo da publicidade porque descobri que é um mundo incrivelmente complexo e pouco analisado. Tudo que faço na publicidade é de um modo natural. Penso que, na realidade, a publicidade propriamente dita, a publicidade tradicional, é uma associação de delinqüentes.
Francesc Petit: Eu gostaria de fazer um comentário que vai... Ele pensa isso dos publicitários, e eu acredito que ele pense realmente, porque ele tem muita experiência, antes de ser publicitário, com publicitários, porque no país dele se faz a pior publicidade do mundo. Não há um país no mundo que a publicidade seja tão ruim como na Itália. Ruim em todos os sentidos, eticamente, feia, de mau gosto e os empresários odeiam os publicitários. Há uma relação horrorosa entre publicitário e empresário. E, por isso, ele não gosta, porque ele tem uma cultura do país dele. Isso não tem nada a ver com o resto do mundo. Acontece que ele pegou um cliente que é absolutamente maluco, que gosta de ficar pelado. Então esse cliente não existe. Se ele saísse na rua procurando cliente, ele não pegaria nenhum com essas campanhas dele. Ele tem um cliente que é maluco, que fica pelado para todos os jornais e revistas do mundo, e que ele patrocina, e que paga para ele aparecer na televisão, nos jornais. O que ele gosta não é de publicidade, o que ele gosta é de aparecer, o que ele gosta é de escândalo, o que ele gosta de ser visto nos jornais de todo o mundo, e de ganhar prêmios que não tem nenhuma importância, inclusive.
Oliviero Toscani: O jornal deste senhor [aponta Caio Túlio] me telefonou, certa vez, em Roma, questionando o porquê de eu fazer publicidade desse modo. Talvez lhe interessasse saber porque faço publicidade desse modo. Se a mídia se interessa é porque tem interesse no que eu faço. Por mais que se faça publicidade tradicional como ele, ninguém se interessa. O fato de a Itália ser um país de péssima publicidade é quase um cumprimento, porque a Itália entendeu que não é preciso fazer boa publicidade e imbecilizar as pessoas. Não é verdade que só trabalho na Itália, com as campanhas da Benetton. Tenho trabalhado para os Estados Unidos, França, Inglaterra. Creio que sou mais internacional que você.
Francesc Petit: Como fotógrafo! Toscani, eu conheço e admiro você há muitos e muitos anos como fotógrafo. O que eu não entendo é que um dos melhores fotógrafos do mundo chamado Oliviero Toscani, um dos que eu mais admiro, um homem do nível da Sarah Moon, do David Bailey, do (...?), um fotógrafo tão brilhante, se prestar a ser um publicitário ridículo, é isso que eu não entendo.
Oliviero Toscani: A minha publicidade é ridícula, mas todos a conhecem, e posso garantir que há gente que não a acha ridícula. Não penso ser ridículo. Penso fazer uma ação social ao acusar vocês, publicitários, de serem uma associação de delinqüentes.
Mário Cohen: Eu também me ponho como publicitário. Acho que existem publicitários e publicitários, assim, a mesma coisa de dizer que os judeus são todos pão-duros, não seria bem uma verdade, que os árabes são.... Há publicitários e publicitários. Mas a minha primeira pergunta seria: qual é a tua profissão? E, se as tuas imagens aparecessem nos editoriais dos jornais e, portanto, não fossem espaço pago e não fossem assinadas, você acha que elas teriam o mesmo impacto que elas tem? Eu acho que a boa propaganda é aquela que mais se aproxima dos editoriais, que tem a capacidade de ser mais credível na medida que os editoriais são mais credíveis que a propaganda. Então eu te pergunto, as tuas imagens, se não fossem assinadas e aparecessem em qualquer página dos jornais, você acha que elas teriam o mesmo efeito?
Oliviero Toscani: Respondo pela final. Estou convencido de que a comunicação publicitária é importante, isso prova que a minha imagem é como um editorial, não pelo fato de ser uma provocação que tenho feito, passando para a publicidade, mas, como jornalista e fotógrafo que sou – e este é o meu trabalho – me dei conta de que, sobretudo para os jovens, não faz nenhuma diferença de onde vem a imagem. Não faz nenhuma diferença se é uma publicação ou TV, livros de escola, Enciclopédia Britânica ou a publicidade. As imagens pertencem à cultura moderna. Eu me pergunto: vocês publicitários como podem continuar a pensar que a cultura moderna seja estúpida como a publicidade de vocês? O cinema, a literatura, a pintura, a música e mesmo o rock, tem uma problemática interessante, falam da vida e da morte. Somente a vossa cultura permaneceu atrasada em cem anos.
Francesc Petit: Oliviero, você aprendeu alguma coisa com os ingleses, você começou a trabalhar para a Benetton para a Thompson inglesa. Os ingleses são os maiores publicitários do mundo, de longe, muito longe. Só que você não pode chamar esses senhores que eu respeito muito, os publicitários ingleses, de estúpidos, entende. Você aprendeu, você trabalhou por eles, você trabalhou para eles muitos anos, para os publicitários americanos.
Francesc Petit: Os fotógrafos sempre têm raiva dos publicitários, sempre.
Oliviero Toscani: Talvez por essa razão...Vou explicar ao senhor que, como todo publicitário é mal informado, não é verdade que comecei a trabalhar com a Benetton pela Thompson inglesa. Comecei a trabalhar com a Benetton porque o senhor Luciano Benetton entendeu que os publicitários acabaram, faliram. Faz 13 anos. Como um gênio da indústria moderna, ele viu que tinha um fotógrafo para fazer imagens e, por essa estranha decisão dele, estou aqui falando com vocês. Talvez seja uma perda de tempo.
Mario Cohen: Mas, qual é o teu trabalho?
Oliviero Toscani: Meu trabalho é de fazer imagens, porque vivemos em uma sociedade que precisa de imagens. Faço imagens que colocam em discussão o velho sistema, como fizeram os pintores. A mostra de Picasso, em 1925, foi recusada no Grand Palais, de Paris, porque não foi aceita. Duchamps provocou a arte ao pôr um piso acima de uma cadeira. Não se pode dizer a Duchamps: “qual é o seu trabalho?” “Colocar um piso alto sobre uma cadeira ou ser um artista?” O meu trabalho é pôr em discussão o meu trabalho, coisa que os publicitários nunca fazem. Estão seguros da sua verdade.
Manuela Carta: O tipo de trabalho que você faz pretende induzir a uma reflexão, que iria bem a marca Benetton. Que também poderia ir bem a Fiat, a Pirelli, a Barilla, sim ou não?
Oliviero Toscani: O trabalho que faço é o trabalho que você faz, o que fazemos todos. Penso que é o trabalho que servirá a quem a lerá, como jornalista, e ao seu jornal.
Caio Túlio Costa: Sim, sim, mas, Toscani, o que a Manuela disse é que: as imagens que você faz para Benetton, ela te pergunta se não serviriam igualmente tanto para a Fiat, quanto para Barilla, quanto para uma outra marca qualquer de roupas? Não serviriam para a Calvin Klein, por exemplo?
Oliviero Toscani: Claramente, poderá servir para toda filosofia. É claro que a Aids, para a Calvin Klein, poderia ser mais explícita do que para Benetton, e também para a Fiat ou para a Barilla. Não existe um mundo sem Aids, onde se come espaguete, como querem os nossos amigos embrulhões. O mundo é feito de realidades. Não é falsa felicidade que eles tentam vender. Os publicitários vendem a felicidade como as prostitutas, mas, nem mesmo a prostituta vende a felicidade ela vende um apenas um pouco de sexo...
Manuela Carta: Sim, mas o teu trabalho é provocar uma reflexão ou uma meditação sobre os fatos da vida, sobre as tragédias, sobre os conflitos raciais e etc. Quer dizer pouco importa se é Benetton, se é Barilla, se é a Fiat. O importante é isso, não é?
Oliviero Toscani: Penso que deva ser assim. Penso que uma grande indústria tem uma responsabilidade social. As indústrias do futuro deverão ter mais responsabilidade social.
Manuela Carta: Ou seja, quase mais importante do que vender o seu produto, a sua malha, a sua calça...
Oliviero Toscani: Não se pode esquecer a responsabilidade social, a produção, a qualidade da produção, a qualidade de venda. Tudo está ligado. Talvez seja uma sorte trabalhar para uma empresa que está muito à frente, pensando em como a comunicação pode ser usada. Trabalho para a Benetton. Luciano Benetton entendeu que não produz apenas malhas ou roupas, produz também comunicação. Na Benetton, trabalham milhares de pessoas, com problemas sociais, individuais e familiares, como qualquer um. Não que façamos um trabalho social particular. Vivemos em uma sociedade e, assim, não se pode negar os problemas que produz. A Benetton produz roupas e outros problemas, como qualquer outra indústria. Nas indústrias automobilísticas, senhor publicitário, senhor Petit simpático – aliás, são todos – , cabelo, camisa, tudo igual. Os publicitários – posso contar essa história?
Oliviero Toscani: Publicitários gastam 50 bilhões de dólares por ano para fazer a publicidade dos automóveis. Em base mundial, são 50 milhões de dólares. Quantos metros quadrados foram colocados nas ruas? Quantos quilômetros quadrados? Quantos milhares de páginas seus jornais escreveram sobre isso? Quantas horas de publicidade na televisão? Não há uma indústria de carros no mundo que diga que o carro possa fazer mal. É inacreditável...
Para ler o resto da entrevista verifique o site: http://rodaviva.fapesp.br

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